quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Individualismo e mercado liberal - Uma critica antiga que continua recente.

Individualismo




Entendo por individualismo essa tendência que – considerando toda a sociedade, a massa dos indivíduos, como indiferentes, rivais, concorrentes, como inimigos naturais, em resumo, com os quais cada um é forçado a viver, mas que obstruem o caminho a cada um – leva o indivíduo a conquistar e a estabelecer seu próprio bem-estar, sua prosperidade, sua felicidade apesar de todos, em detrimento e no dorso de todos os outros. É uma corrida ao campanário, um salve-se-quem-puder geral, em que cada um tenta chegar primeiro. Ai dos fracos que param, eles são ultrapassados. Ai daqueles que, fatigados, caem no percurso, eles são imediatamente esmagados. A concorrência não tem coração, não tem piedade. Ai dos vencidos! Nessa luta, necessariamente, muitos crimes serão cometidos; toda essa luta fratricida, por sinal, outra coisa não é senão um crime contínuo contra a solidariedade humana, que é a única base de toda moral. O Estado, que, segundo se diz, é o representante e o vingador da justiça, não impede a perpetração desses crimes, eles os perpetua e os legaliza, ao contrário. O que ele representa, o que ele defende, não é a justiça humana, é a justiça jurídica, que é apenas a consagração do triunfo dos fortes sobre os fracos, dos ricos sobre os pobres. O Estado só exige uma coisa: que todos esses crimes sejam cometidos legalmente. Posso arruinar-vos, esmagar-vos, matar-vos, mas devo fazê-lo observando as leis. De outra forma, sou declarado criminoso e tratado como tal. Tal é o sentido desse princípio, dessa palavra, o individualismo.

Vejamos a política. Como se expressa seu princípio?
As massas, diz-se, precisam ser conduzidas, governadas; elas são incapazes de se autogovernarem. Quem as governará? Não há mais privilégio de classe. Todos têm o direito de subir às mais altas posições e funções sociais.
Mas para consegui-lo é preciso ser inteligente, hábil; é preciso ser forte e feliz; é preciso saber e poder sobrepujar todos os rivais. Eis mais uma corrida ao campanário: serão os indivíduos hábeis e fortes que governarão, que tosquiarão as massas.

Consideramos agora esse mesmo princípio na questão econômica, que é, no fundo, a principal, poder-se-ia mesmo dizer, a única questão. Os economistas burgueses nos dizem que eles são partidários de uma liberdade ilimitada dos indivíduos e que a concorrência é a condição dessa liberdade. Mas vejamos qual é essa liberdade. E, antes de mais nada, uma primeira questão: foi o trabalho separado, isolado, que produziu e que continua a produzir todas essas riquezas maravilhosas das quais nosso século se glorifica? Sabemos muito bem que não. O trabalho isolado dos indivíduos mal seria capaz de alimentar e vestir um pequeno povo de selvagens; uma grande nação só se torna rica e só pode subsistir pelo trabalho coletivo, solidariamente organizado. O trabalho para a produção de riquezas sendo coletivo, pareceria lógico que a fruição dessas riquezas também o fosse, não é mesmo? Pois bem, eis que não quer, o que rejeita com ódio a economia burguesa. Ela quer a fruição isolada dos indivíduos.
Mas de que indivíduos? De todos? Oh, não, absolutamente. Ela quer a fruição dos fortes, dos inteligentes, dos hábeis, dos felizes. Ah! Sim, dos felizes sobretudo.
Isso porque sua organização social, e de acordo com a lei de herança que é seu fundamento principal, nasce uma minoria de indivíduos mais ou menos ricos, felizes e milhões de seres humanos deserdados, infelizes. Em seguida, a sociedade burguesa diz a todos esses indivíduos: lutai, disputai o prêmio, o bem-estar, a riqueza, o poder político. Os vencedores serão felizes. Há pelos menos igualdade nessa luta fratricida? Não, em absoluto. Uns, em pequeno número, estão armados dos pés à cabeça, fortes por sua instrução e sua riqueza herdadas, e os milhões de homens do povo apresentam-se na arena quase nus, com sua ignorância e sua miséria igualmente herdadas. Qual é o resultado necessário dessa concorrência pretensamente livre?
O povo sucumbe, a burguesia triunfa, e o proletário acorrentado é obrigado a trabalhar como um forçado para seu eterno vencedor, o burguês.

[…] Eis, portanto, uma primeira consequência funesta dessa concorrência, dessa luta intestina na produção burguesa. Ela tende necessariamente a substituir os bons produtos por produtos medíocres , os trabalhadores hábeis por trabalhadores medíocres.

Nessa concorrência, nesta luta pelo preço mais baixo, os grandes capitais devem necessariamente esmagar os pequenos capitais, os grandes burgueses devem arruinar os pequenos burgueses. Uma imensa fábrica pode naturalmente confeccionar seus produtos e vendê-los mais baratos do que uma fábrica pequena ou média.
A instituição de uma grande fábrica exige naturalmente um grande capital, mas, proporcionalmente ao que ela pode produzir, custa mais barato do que uma fábrica pequena ou média: 100.000 francos são mais do que 10.000 francos, mas 100.000 francos empregados em uma fábrica renderão 20%, 30%; enquanto que os 10.000 francos, empregados da mesma maneira, só renderão 10%. O grande fabricante economiza no prédio, nas matérias-primas, nas máquinas; empregando muito mais trabalhadores do que o pequeno ou médio fabricante, ele também economiza, ou ganha, por melhor organização e maior divisão do trabalho. Resumindo, com 100.000 francos concentrados em suas mãos e empregados no estabelecimento e na organização de uma fabricação única, ele produz muito mais do que dez fabricantes empregando cada um 10.000 francos; assim, se cada um desses últimos realiza, sobre os 10.000 francos empregados, um lucro líquido de 2.000 francos, por exemplo, o fabricante que estabelece e organiza uma grande fábrica, que lhe custa 100.000 francos, ganha sobre cada 10.000 francos, 5.000 ou 6.000 francos, ou seja, ele produz 5 ou 6 vezes mais mercadorias. Produzindo proporcionalmente muito mais, pode obviamente vender seus produtos a preço muito menor do que os pequenos e médios fabricantes; mas, vendendo-os mais baratos, força igualmente os pequenos ou médios fabricantes a baixarem seu preço, sem o que seus produtos não seriam comprados. Mas como a produção desses produtos custa-lhes muito mais caro do que ao grande fabricante vendendo-os ao preço do grande fabricante eles se arruínam. É assim que os grandes capitais matam os pequenos capitais, e, se os grandes encontram maiores do que eles próprios, são, por sua vez, esmagados.



É tão verdadeiro que há, hoje, nos grandes capitais, uma tendência ostensiva a se associarem para constituírem capitais monstruosamente formidáveis. […] Na organização econômica da sociedade atual esse empobrecimento sucessivo da grande massa da burguesia, em proveito de um número restrito de monstruosos capitalistas, é uma lei inexorável, contra a qual outro remédio não há senão a revolução social.
[…] As consequências dessa concorrência burguesa são desastrosas para o proletariado. Forçados a vender seus produtos – ou ainda os produtos dos operários que exploram – ao menor preço possível, os fabricantes devem necessariamente pagar a seus operários o salário mais baixo possível. Consequentemente, não podem mais pagar o talento, o gênio de seus operários. Devem procurar o trabalho que se vende, que é forçado a se vender, ao valor mais baixo. […] Foi provado e reconhecido por todos os economistas burgueses que a medida do salário do operário é sempre determinada pelo valor de sua manutenção: assim, se um operário pudesse alojar-se, vestir-se, alimentar-se por um franco ao dia, seu salário cairia rapidamente a um franco. E Isso por uma razão bem simples: é que os operários, acossados pela fome, são forçados a fazer concorrência entre si, e o fabricante, impaciente para enriquecer o mais rápido possível pela exploração do trabalho alheio, é forçado, por outro lado, pela concorrência burguesa, a vender seus produtos ao menor preço possível, empregará obviamente os operários que, pelo menor salário, lhe oferecerão o máximo de horas de trabalho.


Referência:
[O Princípio do Estado e outros Ensaios, trechos da pg: 95 - 102]

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